segunda-feira, maio 29, 2017

Resenha de Terra Sonâmbula, por Mia Couto

E, finalmente, saiu a resenha de "Terra Sonâmbula" do autor moçambicano Mia Couto. Precisei de um pouco mais de tempo para escrevê-la, para ser mais justa acerca da minha opinião sobre a obra. E já já vocês entenderão o porquê.

A África é um continente muito distante para mim. Por mais que se ouça falar de lá em diversas narrativas, principalmente jornalísticas, nada se compara a proximidade de acompanhar a vida de um personagem em uma obra literária. E eu confesso que não estava muito preparada para esse choque de realidade. Imaginei que o livro tratasse de algo mais lúdico, como no primeiro livro em que tive contato com a obra de Mia Couto, "Antes de nascer o mundo".


Sinopse de Terra Sonâmbula

Um ônibus incendiado em uma estrada poeirenta serve de abrigo ao velho Tuahir e ao menino Muidinga, em fuga da guerra civil devastadora que grassa por toda parte em Moçambique. Depois de dez anos de guerra anticolonial (1965- 1975), o país do sudeste africano viu-se às voltas com um longo e sangrento conflito interno que se estendeu de 1976 a 1992. O veículo está cheio de corpos carbonizados. Mas há também um outro corpo à beira da estrada, junto a uma mala que abriga os 'cadernos de Kindzu', o longo diário do morto em questão. A partir daí, duas histórias são narradas paralelamente - a viagem de Tuahir e Muidinga e, em flashback, o percurso de Kindzu em busca dos naparamas, guerreiros tradicionais, abençoados pelos feiticeiros, que são, aos olhos do garoto, a única esperança contra os senhores da guerra.


Resenha de Terra Sonâmbula, por Mia Couto

Terminei de ler o livro há mais de uma semana, e só agora resolvi escrever sobre ele para não descarregar toda a negatividade que senti ao terminar a obra. Precisava assentar as ideias, pensar melhor sobre tudo que li antes de comentá-lo. Terra Sonâmbula é uma leitura densa, por vezes difícil, devido a linguagem usada pelo autor e também pelos sentimentos que ela suscita.

Quando li a sinopse, não poderia imaginar o conteúdo do livro. Não que ela não seja verdadeira, na verdade a história é exatamente isso. Mas, não esperava me deparar com tamanho realismo. E muito menos um realismo tão surreal. Isso porque, por vezes, a impressão que se tem é que aquilo não pode ser verdade. Ao mesmo tempo, devido ao conhecimento superficial que tenho das culturas dos povos que vivem na áfrica, via aquilo como absoluta verdade. Às vezes, comparava as crendices populares absurdas com o que ouvimos por aqui de pessoas antigas, ou do que se ouve da cultura nordestina, e acreditava em cada palavra como se o livro fosse sobre fatos reais.

Acreditar que um personagem é real normalmente é fantástico durante uma leitura. Mas, quando a vida desses personagens é mais triste do que eles percebem, pode ser devastadora para o leitor. E foi assim que os capítulos das histórias de Kindzu e de Muindinga foram me afetando. Quando terminei de ler o livro, escrevi no Instagram que não recomendaria para ninguém. É muita tortura psicológica, eu pensei.

Por outro lado, a narrativa é lírica, a linguagem nos insere naquele universo, apresenta-nos um povo, suas culturas, e isso é muito positivo. Demonstra a qualidade das obras de Mia Couto. Aquelas palavras truncadas, o choque do português moçambicano com o nosso, que eu sequer sei se é assim, ou se foi apenas um estilo adotado pelo autor, para retratar um passado recente. Seja como for, cumpre o papel de transmitir sentimentos, de provocar reflexão, de pensar sobre como essas pessoas vivem. Em um continente distante, quase sem atenção, com guerras e vivendo em um mundo que a gente nem poderia imaginar.

Alguns relatos da história eu já tinha visto no documentário "O sal da Terra", de Sebastião Salgado (tem na Netflix e recomendo). Por isso ler sobre a história de Muindinga me pareceu tão real. Além disso, a fome e as desgraças que as pessoas passam em períodos de guerras. E aquela sensação horrível de nascer e morrer em tempos assim. A descrença de que exista um mundo que não seja assim. Conseguem entender? É um livro que suscita a tristeza. Faz refletir, coloca o assunto em pauta, mas nos deixa triste.

E eu fiquei duplamente triste porque adoro o autor, o seu jeito de escrever, sua sensibilidade, mas neste caso, ainda sinto que não deveria indicar a leitura. Parece que ao fazer isso estaria entregando um fardo para outra pessoa carregar.

Mas, para leitores experientes, que já leem de tudo, que gostam de Saramago, desesperanças, realidade nua e crua, e que aprecie um bom texto. Para eles, indico a leitura do livro. Porque, trata-se de um ótimo livro, apesar de tudo.

Para comprar, tem no site da Amazon em eBook ou capa comum bem barato. É um livro de bolso, curtinho. Dá pra ler "numa sentada". E para ver outras obras do Mia Couto clique aqui.

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