segunda-feira, março 16, 2009


Naquele dia, chegou cansada, diferentemente dos outros dias, entrou no prédio lentamente, observando cada detalhe do portão de entrada, até a fechadura da porta lhe pareceu diferente. Subiu as escadas, achou melhor do que pegar o elevador e acabar encontrando alguém, ter de conversar sobre assuntos corriqueiros e sem importância.

Foi subindo degrau por degrau, e a cada passo, pensava em toda a sua vida, o seu longo caminho até ali. A cada estágio da sua vida via seus erros, seus enganos, a sucessão de erros e enganos que a levaram a única coisa de concreta que já tivera em todos esses anos. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, não se importou com nada. Pensou também a respeito dos seus grandes feitos, aqueles dos quais deveria se orgulhar, mas não foi isso o que aconteceu, apenas passou por todos eles importando-se nem mais nem menos do que com aqueles degraus que agora subia.

Chegou em casa, onde deveria ser o seu porto seguro, o seu "lar doce lar". Nem mesmo um cão de pelúcia para notar a sua chegada. Nada, nem insetos. Largou a chave sobre o móvel próximo a entrada e bateu a porta as suas costas, entrou largando suas coisas, despindo-se de todos os problemas e inconveniências que tiraram a sua paz naquele dia. Deitou-se na cama meio atravessada, ficou olhando para o teto, no apartamento ainda escuro, via apenas um feixe de luz que entrava pela fresta da persiana que costumava deixar semi aberta para ventilar o ambiente ao longo do dia.

Depois de algum tempo observando aquele feixe de luz oscilando devido ao reflexo dos faróis dos carros que passavam, levantou-se, despi-se e foi para o banheiro. Dificilmente pensava nessa hipótese, o cansaço costumava ser tanto, que caia na cama e acordava no dia seguinte, já saía para o recomeço do seu dia fatigante. Mas, aquela noite, bom, naquela noite havia algo de diferente. Acendeu a luz, fechou a porta, ligou as torneiras da banheira e ficou a observar o seu rosto no espelho, foi perdendo a consciência propositalmente, enxergando seu rosto desfigurado no espelho parecia se sentir mais a vontade.

Despertou desse transe com o barulho da água que transbordava da banheira. Sem se apressar foi até as torneiras e fechou-as lentamente. Acariciou a água que estava no seu estado mais tenso até rolar livremente pelo chão e sentiu inveja da capacidade da água de ser resistente ou maleável, de acordo com a necessidade. Há muito que não sabia ser assim, sequer lembrar quando pôde fazer algo parecido.

Mediu a temperatura da água, depois de certificar-se de que seria mesmo uma boa idéia, mergulhou um pé, depois o outro. Por alguns segundos divertiu-se com o som da água sendo derramada, foi descendo o corpo lentamente apoiando-se nas bordas, até que sua cabeça ficasse por completo submersa, depois colocou os braços descansando ao lado do corpo, soltou todo ar que tinha em seus pulmões e repousou por todo o tempo que poderia suportar sem respirar.

Quando não podia mais suportar, levantou apenas a cabeça, a fim de poder pegar ar na superfície e mergulhou novamente. Abriu os olhos e ficou observando o ambiente distorcido, os sons modificados, a falta de ação percebida estando mergulhada naquele fluido. Repetiu o exercício de buscar ar e mergulhar novamente por diversas vezes, até cansar...

Então, levantou-se, vestiu o seu roupão. Sem muita cerimônia, deitou-se na cama, ligou a TV no canal mais parado possível, volume quase imperceptível, abraçou um travesseiro.
Adormeceu.

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